Desentop

É lixado. Especialmente quando temos a mania que somos o rambo ou o mestre André. Passo a explicar. A minha sanita entupiu. O meu pai diz que a culpa não foi dele, mas talvez seja mentira porque eu, a minha mãe e a minha irmã, tínhamo-nos servido dela antes, sem qualquer problema. Comecei com a escova a tentar alcançar nas profundezas qualquer coisa que fosse o motivo do entupimento. Às vezes, dos bolsos das calças, caem os objectos mais surpreendentes. O meu pai começa a pressionar: “Sai daí, deixa-me ver isso.” O meu pai não gosta de bricolage, nem tem paciência para qualquer tipo de trabalho que exija calma e concentração. A certa altura começa a puxar o autoclismo várias vezes seguidas e eu mando-o estar quieto e ir buscar-me uma vassoura. Eu sentia qualquer coisa lá ao fundo e não me estava a apetecer meter o braço por ali a baixo. De repente (antes do meu pai chegar com a vassoura) a água começa a subir e a transbordar devagarinho. Os meus pés ficam ligeiramente molhados (estava descalço) e vestígios de papel higiénico desfeito vêm à tona. É nojento, mas muita sorte tive eu em não encontrar fragmentos de poios, ou isso. É nessa altura que decidimos ligar para os tipos do desentop. Passo a transcrever o magnífico slogan desta empresa: 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano (porreiro pá, estes gajos preocupam-se mesmo com o próximo, é bonito). Passado dez minutos, chegam dois tipos com mau aspecto e, um deles, com desagradáveis vestígios de um problema de acne mal resolvido na adolescência. Traziam umas sweat-shirts amarelas com a palavra desentop estampada, atrás, a letras garrafais. Ridículo. Pareciam dois palhaços. Sacam de material topo de gama. Ele eram tubos, ele eram aparelhos eléctricos, ele era tudo. Metem aquilo por ali a baixo. Diz o tipo, passado meio minuto: “Já detectámos os problema”, diz o meu pai: “Ai sim? Então estamos com sorte, carág. Deve sair baratinho.” “É assim, nos nossos serviços há um parte, que é esta, em que paga pela identificação do problema. Depois, dependendo da gravidade, da dificuldade de resolução... Isso depende. Isso é outra parte.” Portanto. Não sei se me expliquei bem. Com a desentop pagamos, numa primeira parte, para que nos identifiquem o problema e, depois, numa segunda fase, pagamos para nos resolvam, efectivamente, o problema anteriormente detectado. Uhm. Parece-me justo, não? Em nove minutos o serviço ficou pronto (ena, eles são bons). Antes dos anormais arrumarem os tubos e porem os kispos com desentop estampado nas costas (patéticos) o meu pai passa-lhes um cheque no valor 120 euros. A mim, dá-me uma imensa vontade de mandar um grande pú.

O que é que eu fiz?

Ontem, quando cheguei a casa às seis e meia da manhã, descobri a minha mãe deitada no sofá. Foi assustador, parecia mesmo o papão, o homem do saco ou um desses tipos diabólicos, ladrões ou assim. Estava embrulhada na manta ao xadrez, que eu recebi da minha Tia Céu, num Inverno em que me constipei muitas vezes. Na mesa, um pacote de rebuçados da régua a meio, uma caixa de lenços kleenex e uma garrafa de compal ligth manga-laranja. A televisão, baixinha no discovery channel, rematava de forma perfeita aquele cenário perfeitamente grotesco e ameaçador. Tentei avançar sem fazer barulho, mas ela chamou-me:
António?
Sim?
Que horas são?
Devem ser quase sete, não tenho relógio. O que é que estás aí a fazer?
Aproximei-me do sofá e fiquei de pé. Estava bastante cansado, tinha ido fazer um bocado de natação (tenho notado um pneu detestável na zona abdominal) antes do trabalho e não me apetecia estar ali em conversas.
Senta-te aí, meu filho.
A minha mãe estava com uma cara abatida e com o cabelo despenteado, o que era deveras extraordinário, já que a cabeleira dela está sempre impecavelmente tesa.
O que é que foi?
Senta-te.
Os meus pais estão casados há trinta anos. O divórcio era pouco provável.
Estou preocupada contigo.
Comigo?
Tu andas bem?
Ando, porquê?
E na bomba?
Na bomba tudo bem. O que é que.. não estou a.
É que andam aí a dizer.
Andam aí a dizer o quê?
Que tu andas a roubar na bomba.
Alto. Eu nunca na vida roubei o que quer que fosse daquela merdosa e miserável bomba de gasolina. Roubar? Até podia ser um tipo que gostasse muito de chocolates e, para quem gosta muito de chocolates, uma bomba de gasolina é um local muito perigoso. De resto, aquelas madalenas e aqueles foleiros pacotes de bolachas não são puto atractivos.
Roubar? Quem é que disse isso?
A Adelina do segundo andar diz que ouviu dizer.
(A Adelina do segundo andar é a velha das hemorróidas que falei num post antigo)
A Adelina do segundo andar? A gaja é totalmente doente.
Exaltei-me de uma forma bastante irracional. A verdade é que não estava a perceber como era possível cair sobre mim uma acusação dessas.
Tu não precisas de roubar filho. O que é que te faz falta? Diz-me que eu e o teu pai, se pudermos..
Não ouvi mais nada e fui para o quarto. Tirei o telemóvel do bolso. Tinha uma mensagem da Tina, que tinha chegado com atraso: “Vim à ribeira beber um fino e lembrei-me que tenho uma garrafa de um tinto m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o lá em casa para ti. Podíamos combinar qualquer coisa amanhã. Beijos.” Estarei, de alguma forma, a dar falsas esperanças a esta simpática rapariga de cor? Ela até é uma tipa porreira, mas não estou, definitivamente, virado para desenvolver qualquer tipo de affair com quem quer que seja. Houve uma altura que pensei que me estava quase apaixonar, mas rapidamente cheguei à conclusão que sou apenas um tipo que se ilude com muita facilidade. Foi como uma vez, em que me tentaram dar vitela assada no forno como se fosse leitão da bairrada, e eu acreditei. Talvez quem acabe por lucrar com isto tudo sejam os tipos das campanhas publicitárias dos hipermercados e assim. O facto de ser um bocado lorpa deixa-me, por vezes, nervoso, mas a verdade é que tenho convivido de forma saudável com a minha pessoa durante estes anos. E, é mesmo impressionante como ter um blog acaba por aumentar a minha auto-estima. Claro que há dias em que me sinto um autêntico imbecil por continuar com isto. Enfim. Depois, para animar, costumo ler um patinhas (almanaques "hiper" dos antigos) e fica tudo bem.


nota: Há um tipo bastante para o palerma, que anda lá de vez em quando pela bomba a fazer umas promoções tenebrosas a umas coisas que ninguém comprar (desta última vez era o boneco Gil, aquele idiota da tromba azul). Às tantas, o gajo quer é queimar-me para ver se apanha o meu lugar. Não o posso acusar sem ter provas, mas vou tratar de tirar esta história a limpo.

O domingo é uma chatice

Hoje estou de folga. Tomei um banho de imersão demorado e depois fiz um ovos mexidos com presunto. Os meus pais e a minha irmã (suponho que o meu futuro cunhado também) foram almoçar a uma churrasqueira em Valongo e ainda não chegaram. Os tipos têm um frango com piri-piri delicioso, mas lá dentro há um fedor insuportável a fritos que me deixa vagamente deprimido. Ainda pensei em convidar a Tina para vir cá a casa, mas estou com muita preguiça e sem saldo no telemóvel. Daqui a um bocado vou fazer crepes (descobri um site porreiro com mais de 50 receitas de crepes) e abrir uma cerveja. Talvez faça crepes mistos. Depois vou-me sentar no sofá e ver as presidenciais. A política não me interessa particularmente, mas há qualquer coisa de cómico naquela palhaçada toda. Não tenho o hábito de votar, mas quando o faço, chego a casa mal disposto e um pouco enjoado. Acho que isso tem a ver com o facto de não me acreditar em quase nada. Sou um tipo céptico, por natureza.

A explicação

Tudo começou num dia de sol. Estou a brincar. A culpa foi, em parte, da minha professora de primária, a professora Ana Teresa. Uma vez, dei um erro terrível numa composição. Lembro-me bem, era um texto sobre o Outono e eu impliquei com a palavra. Escrevi “Outobro” e a Ana Teresa, que era uma tipa implacável e feroz, mandou-me, de castigo, escrever Outubro cem vezes. Podem imaginar o que é escrever cem vezes a palavra Outubro. Foi especialmente traumático, porque às tardes, costumava ir brincar com o Pipas. O Pipas era um amigo meu bastante rico. Na casa dele havia bichos embalsamados nas paredes e, num canto priviligiado do escritório, uma máquina fotocopiadora! Uma máquina fotocopiadora! Naquela altura, ter uma máquina fotocopiadora em casa era muito provavelmente o mesmo que termos, actualmente, uma central nuclear dentro da nossa casa de banho. Impressionante. Ainda hoje, uma simples resma de papel de máquina faz-me lembrar o Pipas. Grande Pipas, que andará ele a fazer? Coitado, o tipo tinha problemas com ácaros e desconfiava-se que também era alérgico ao leite. Ao lanche, a empregada ia-nos comprar bolicaos à mercearia da esquina e era mesmo porreiro porque a mãe do Pipas deixava-nos levar copos de vidro com tang de ananás (cor de chichi) lá para fora. No jardim (com piscina em forma de héxagono, ridículo) entretínhamo-nos a fuzilar minhocas e espremer formigas. Depois fazíamos as respectivas celebrações fúnebres e eu, quase sempre, voltava para casa com uma náusea terrível e alguns problemas morais. Consciência ética bastante desenvolvida para a idade? Talvez. Dizem que em miúdo era um tipo estranho, o que não me admira. Mas como estava a dizer, nesse dia tive de ficar em casa a escrever a palavra Outubro. E dei por mim a pensar que talvez fosse boa ideia ser bom naquilo, no português. Não dar erros. Lembro-me da borracha que tinha à minha frente quando tive este pensamento, era uma pelikan das verdes, que saudades... as velhas pelikans verdes. Melhor que não dar erros, só mesmo ser poeta. É claro que na altura, não pensava concretamente nestes termos, mas mais tarde, talvez muito por influência de um professor que tive no secundário, o professor António Velhote, imaginei-me várias vezes como o verdadeiro poeta marginal. Esse tipo (o professor António Velhote) era absolutamente doido, uma vez a meio de uma aula, saca de uma maçã (tipo golden) e põe-na em cima da mesa. Depois diz: “Vão olhar para esta maçã durante o tempo que eu disser e depois quero que façam um poema.” Achei o desafio maravilhoso e lembro-me que escrevi qualquer coisa relacionada com o deserto e formigas. Era uma coisa absurda por completo, mas o professor deve ter gostado, aliás chegou mesmo a oferecer-me um livro com poemas de Antero, que li numa noite de S. João deprimente passada em casa dos meus avós. Isto tudo para explicar a minha relação com a língua portuguesa e aproveitar para agradecer os comentários favoráveis à minha escrita. Professora Ana Teresa, Professor António Velhote, um muito, muito, obrigado.


Rodapé: Como fui tirar um curso de gestão? Porque trabalho numa bomba de gasolina? Podia divagar sobre isso num próximo post, mas acho que a resposta não estende muito para além do simples facto de eu ser um tipo miserável. E há outra coisa que é, este blog, não ser, de todo, um diário. Por isso, essas explicações talvez não sejam, de facto, pertinentes.

Alien

A minha irmã vai casar-se em Setembro deste ano. A situação era incontornável, tudo bem. Já bebi duas águas das pedras desde que soube a notícia, hoje ao almoço. O meu futuro cunhado gosta de jogar badminton e diz que acredita "um bocado" em aliens.

Hoje, não consigo escrever.

Outra vez, o metaleiro

A minha ex-namorada Paula (quem não a conhece, sugiro a leitura do post “Pizza Havaiana”) está a viver um romance (a notícia é oficial) com o metaleiro, o rei dos dardos. Encontrei-os no cinema, a dividirem amorosamente um pacote de pipocas e meio litro de Coca-Cola (ou talvez Fanta, a Paula adora Fanta). Achei o quadro comovente e, de certa maneira, fiquei aliviado, porque talvez a Paula me tivesse esquecido por completo (eu só penso na Tina). Ela veio ter comigo, perguntou pela minha mãe e disse que tinha em casa umas rabanadas para lhe levar (umas rabanadas? Oh pá). A Paula e a minha mãe sempre se deram bem. Acho que isso se deveu, em parte, aos finais de tarde que passava lá em casa com a minha mãe a ensinar-lhe croché e coisas do género. Quando acabámos a minha mãe chorou ininterruptamente durante duas semanas. Pediu-me para ficar com o coração de cetim rasca com um I love you já desbotado que a Paulinha me deu quando fizemos um ano de namoro sob o pretexto que: “Oh! Filho ficava tão bem em cima da nossa caminha!” (Pai, como eu te compreendo!) Fez-me também prometer que ficaria solteiro para sempre, caso não voltasse para a Paulinha. É óbvio que fiz o juramento com figas. Tenho suspeitas que terá também rezado bastante porque vi uma fotografia de nós os dois na barragem de vilarinho das furnas encostada à imagem de um santo, que suponho que seja um santo qualquer que tenha habilidade na questão de casais em ruptura. Achei aquilo das rabanadas absolutamente ridículo e disse-lhe para não se preocupar porque nós ainda estávamos a arrotar a aletria e a bolo-rei. Era uma tentativa de aliviar o ambiente. Eles não acharam piada. É aí que o metaleiro me pergunta se eu sei de uma gasolina mais barata que há ali para os lados do Carrefour. Disse-lhe que não sabia. E o tipo, contrariando a imagem decadente do intovertido infeliz e problemático órfão do heavy metal, esboça um sorriso estupidamente alegre e sarcástico: “Então trabalhas numa bomba de gasolina e não sabes o preço da concorrência? Eh, eh. Devias saber, não?” Aquele comentário arruinou por completo a integridade da minha pessoa, fazendo-me sentir um sabor azedo e áspero na garganta (tinha estado a comer amendoins) seguido de uma vontade exacerbada de o rebentar. Optei pela calma, aliás como sempre: “Ai não sabem? Eu deixei a bomba. Eu agora estou a trabalhar com o Jonas, aquele amigo do meu pai.” A Paula pergunta: “O dos vinhos?” Eu: “Sim. O dos vinhos.”

Eu, que nunca minto, tinha agora acabado de dizer uma meia-mentira. A verdade é que o Jonas já tinha falado com o meu pai sobre a possibilidade de eu ir trabalhar com ele. Eu é que sou um tipo preguiçoso e nunca me dei ao trabalho de avaliar concretamente a proposta. Tenho de falar com o Jonas. Talvez o meu futuro passe por aí. E depois, vinho é vinho.

A mulher que embrulhava carrinhos e dominós

(Ontem, ao tirar as meias, lembrei-me de um episódio que tinha ficado esquecido e que é um magnífico case study para todos aqueles que, de algum modo, se interessam pelo estudo do comportamento humano, em específico da ... pura maldade humana)

Tinha ido ao Froiz comprar os meus últimos presentes de Natal. Quando saí estava uma mulherzinha infeliz (mais tarde viria a classificá-la antes como uma autêntica besta infeliz) a embrulhar carrinhos, dominós e essas coisas, num balcão que pertencia a uma loja de brinquedos. Eu precisava de uma etiqueta para colar um pequenino cartão de Natal no saco onde estava a prenda da minha mãe. Para a minha mãe tudo o que é estrangeiro é bom. Neste Natal, optei por lhe oferecer uma espécie de mini-cabaz com galletas, zumos, chocolate a la taza e os entalados que os tipos têm lá - ela adorou. Adiante. Perguntei à tipa se podia tirar uma etiqueta (comprar fita cola estava, definitivamente, fora dos meu planos). Reparem, uma etiqueta, uma etiqueta é uma coisa para custar quê? 1,7 cêntimos, se tanto. Isto, se for uma etiqueta daquelas grandes, que dá para escrever muita coisa e isso, mas aquela era uma etiqueta do tamanho de uma unha, uma autêntica caganita, estão a ver? Uma etiqueta que co-habitava com, talvez, milhares, milhões de outras etiquetas gémeas (o rolo era gigante). Que diferença fazia? Oh, meu Deus! Era só uma. Pergunto-lhe com um ar simpático, educado, gentil, pacífico. Eu era o indefeso, o totó e o gajo que não faz mal a ninguém ao mesmo tempo: “Posso tirar uma etiqueta, se faz favor?” Ela, olha de esgueira para mim e, tão desconfiada, diz: “Não”. Não?? Minha amiga recordo-te que é Natal, é suposto sermos todos amigos, pensei. A tipa parecia mesmo ofendida. Chocada, vexada, abusada, a caminho de uma severa exterminação. Como se lhe tivesse perguntado se lhe podia roubar um rim ou uma outra coisa igualmente horrível, que arruinasse a sua miserável vida para todo o sempre. Isto deixou-me deprimido. Tenho sérias dúvidas se esta não terá sido a negação mais cruel da minha vida. Ela era má.