Eu sou o 411

Nasci pateta. Assumo, sem vergonha. Foi com alguma sorte que a minha mãe não me matou com uma amona, era eu pequeno mal me segurava das pernas. Mais ou menos como agora. A diferença nos pêlos, só isso. E o que está por dentro, o que está por dentro talvez cheire um pouco a especiarias guardadas há anos em frascos mal vedados, mas sem importância porque não há aqui ninguém. Para já, pelo menos. Talvez vá dar uma volta, dizem que dão 21 graus para a tarde e já são quatro e dez, o melhor é mesmo ir ou, então, ficar para aqui a falar de uma coisa que me tem incomodado ultimamente, é, é melhor ficar aqui. Sabe-se lá quem é que posso encontrar na rua. Por vezes, é altamente perigoso sair de casa. Como daquela vez que encontrei a Alice, a jogadora ocasional de canasta. Estava na repartição das finanças, bem, estava na repartição de finanças improvisada, melhor assim, uma vez que a repatição de finanças propriamante dita estava para obras. Cheiro a gente cansada e um, como é que se chama aquela coisa vermelha que há no talho e na queijaria do continente, aquela coisa de onde se puxam as senhas com números? Sim, uma coisa dessas de onde gente cansada puxa a senha que às vezes teima em não sair ou então sai com outra atrás, enfim, senhas. Tudo a olhar para o placard luminoso que exibe sempre números tão grandes e eis que o barulhinho parvo quando acontece o milagre da metamorfose e o 342 é 343. 

Indo ao que importa, que é o mesmo que dizer,  
Alice, sua comilona, nunca jogaste uma peida, tu querias era que chegasse a hora do lanche para poderes comer como uma alarve, foi por isso que inchaste, o que é que julgas? Foram os sconesinhos, o bolo prata que está tão fofinho, sim, sim, e aquela tarde de queijo com doce de framboesa que era a Teresa que a fazia, pois é, a tua favorita Alice. Eu sei. Era pequeno, mas via, Alice. A propósito, tens feito análises? Esses diabetes? Deves estar bonita, deves.  Não olhes para mim, não, não olhes agora. Eu sou o  411 e ainda está no 397, há tempo a separar estas senhas. És capaz de parar. Por favor, eu retiro o que disse, numa voz eloquente, ó bela Alice, quão formosa estás. Não? Fico calado. Sua malandra, não me deste ouvidos, tu já me viste, sua burra. Ah, também vais fingir, olha que eu sou bom nisso, ups, deixei cair a minha senha. Pimba. Tu comigo não brincas, Alice, alice, chup'ma piçe. Tenho aqui uma coisa no dedo, não sei se é um pico. Como é? Brincamos, ou colamos cartazes? Olha, por falar em cartazes, ainda não li o que diz ali, deixa ver, 
Respeite a privacidade individual, por favor aguarde a chamada do seu número afastado do balcão. 
Ó Alice, então? Chega-te para trás, sua cusca. Estás mesmo aí em cima dessa gente. Tu és impossível Alice. Alice? Alice? Tu estás a vir até aqui, tu já chegaste,
Sabes que eu vejo mal, meu filho (espeta-me com a boca dela na minha bochecha) aquele ali parece-me o António da Dina. Mas a gente chega a uma idade e sabes como é. 
E eu: Não sei, não. Como é que é?
E ela: Meu filho e a tua avó?
E eu: Morreu. 
E ela: Que Deus nosso senhor a tenha. 
E eu: Pensei que sabia. 
E ela: Dizem que tenho uma doença na cabeça, mas não me lembro qual é o nome. 
E eu: Se calhar por isso. 
Ela não arrasta os pés, não senhor, tem uns sapatos daqueles ortopédicos que duram uma vida. Bem bons. 
Ela diz: Gostei muito de te ver meu filho. Dá cumprimentos lá em casa, sim? 


5 comentários:

Anónimo disse...

da Fabergé?

Anónimo disse...

extraordinário!

Loli disse...

oh leonor que divertido!
estou a adorar o teu blog!
escreves super bem!
obrigada por estes momentos de total relax e sem ninguem a chatear-me...
beijinhos e non stop!

Loli disse...

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