2º Episódio

1.
Sobre a minha consoada. Talvez seja pouco relevante dizer que houve os habituais excessos alimentares e as suas previsíveis consequências. Passo então à fase seguinte. O meu primo puto recebeu um kit de karaoke foleiro, o que fez com que acabassem todos a cantar hits do Bryan Adams. Que bonito. A minha avó a abanar o pézinho e a minha mãe, com um jeito estupidamente desajeitado, a fazer qualquer coisa que se assemelhava a uma dança tribal. As pessoas deviam ser proibidas de dançar quando chegam aos trinta e cinco. Sinceramente. O meu Tio Fino não cantava, o parvo. Tinha aquela atitude superior e chegou mesmo a dizer, com ar de gozo: "Isto do karaoke é uma coisa um bocadinho primária, não é?". Idiota. Talvez tenha sido nesse momento, de puro convívio, que senti toda a complexidade do meu agredado familiar e restantes. Éramos vagamente desprezíveis. Para atenuar, fui ao congelador e tirei um bocado de carne que descongelei no micro-ondas. Estava mesmo a apetecer-me um bife no pão, antes de me deitar.


2.
Tenho de confessar. Acho que há uma forte possibilidade de poder vir a apaixonar-me pela Tina. No dia a seguir ao Natal telefonei-lhe para irmos tomar café. Ela aceitou de imediato. Passámos uma tarde nostálgica em casa dela (afinal o tipo mauzão do opel kadett é irmão dela. Um tipo com problemas psicológicos graves. É bipolar. Uma coisa que o faz estar, ora depressivo, ora eufórico) Fizemos bolachinhas de manteiga e bebemos um resto de vinho tinto (era praticamente a garrafa inteira) que tinha sobrado. Não deu para ficar bêbado, mas foi o suficiente para podermos ter uma conversa minimamente interessante. Fiquei com a sensação de que somos ambos tipos algo desequilíbrados e perto da loucura, o que não é mau, necessariamente. Conheci o seu cágado (o bicho é simpático) e falámos um pouco da bílis, o que casou algum constrangimento, pois a Tina, ao que percebi, é uma rapariga muito sensível e amiga dos animais. Abandonei a sua casa ao fim-da-tarde e quis ir comprar-lhe qualquer coisa como uma prenda de Natal, mas as lojas estavam todas fechadas.


3.
Amanhã é a noite de passagem de ano. Eu vou estar de serviço. Talvez convide a Tina para ir até à bomba. Sei que não é o mesmo do que jantar à luz das velas a beber champanhe ou cerveja, mas também não é assim tão mau. Para além do mais, não existe, entre nós, qualquer tipo de compromisso.

Natal

1º Episódio

O meu Natal foi trágico. Passo a explicar, por partes. Em primeiro lugar, é no Natal que encontro o meu Tio Zeferino e, em segundo lugar, é no Natal que tomo consciência da família disfuncional à qual pertenço. Há outros factores, menos relevantes, que também ajudam a um desespero psicológico latente: ter de fechar o Jeco na dispensa (a minha avó é alérgica ao pêlo do cão) e ser obrigado a fritar as rabanadas (acho que tem a ver com a minha sensibilidade para a cozinha). O meu Tio Zeferino (nós tratamo-lo por Fino) é daqueles gajos que tem sempre um sorriso pregado na boca. Quando era mais novo perguntei-me muitas vezes se o tipo era só estupidamente alegre ou antes, o gajo mais cínico do mundo. É impossível continuares a rir quando alguém te diz “Ó Fino, vai mas é dar banho ao cão.” Ou quando, por exemplo, descobres que há três anos que a tua cunhada te oferece lenços de assoar no Natal. Isto é verídico. O gajo não ri alto. Uma gargalhada, para ele, é esticar mais a boca, ficam-se a ver mais os dentes de trás e pronto, é esta a gargalhada dele. Que patético. É profundamente angustiante ver um tipo que não faz barulho a rir. Fiquei a detestá-lo mais um bocadinho neste Natal. Explico. Decidi telefonar à tipa preta (a partir de agora chamá-la-ei pelo seu nome diminutivo, Tina) a desejar bom natal. Estava na casa de banho, convencido que seria o único sítio onde poderia ter alguma privacidade para efectuar o chamada, pois, pois. Ela não sabia quem eu era e eu identifiquei-me como o António da bomba. Acho que quando ela percebeu quem eu era, ficou um bocado desiludida porque disse um ahh meio distante. Agora era tarde para abandonar o barco. Portanto, desejei-lhe bom Natal e menti-lhe dizendo que já tinha iniciado as buscas para a encontrar a gata, mas que neste momento as investigações estavam suspensas por causa do Natal. Ela disse-me que já tinha um animal de estimação novo, um cágado, e que até estava a fazer um esforço para esquecer a bílis. Aquela mulher tinha, de certa maneira, algum sentido de humor. Eu fiz uma deixa que parecia adequar-se à situação, tipo: “Ano novo, vida nova” e ri-me, feito atrasado mental. Ela deve ter achado piada porque também se riu, ou então gozava-me, não sei. Devo dizer que, para fazer este telefonema, tive de beber um gin tónico e depois um copo de vinho do porto (o gin era foleiro). Só desta forma, tive ainda lata para lhe perguntar o que é que ela ia fazer no ano novo. Ela disse-me que não sabia. Eu disse-lhe que também não. Depois ela disse-me que se chamava Tina e, depois de várias tentativas, acertei no seu nome verdadeiro, Márcia. O diminutivo Tina surgiu depois de ela ter dito a um amigo “Está calor”. Pelos vistos, o tipo respondeu-lhe :“Ó Márcia, tu atina”. E, a partir daí, ficou Tina. Ela não gosta de Márcia, por isso, até foi bom. Quando desligo o telefone, tenho o meu Tio Fino à porta da casa de banho. Com o sorriso parvo. Ele diz: “Está sossegado que eu não digo à tua mãe. Quem é ela?” Continua com o sorriso e eu acho que lhe vou espetar um testo: “Ela quem?” “Ó, ó, ela quem? Eu ouvi tudo, pá” Meus Deus, será que não és capaz de parar de rir por um segundo? “Tio deixe lá isso. “Ai Tina, Tina.” Nessa altura apaguei a luz da casa de banho e quando me afastei, disse baixinho: “Ó Tio vá fazer cocó, está bem?” Ele segurou-me na manga da camisola, mostrou-me os seus dentes de trás e o seu sorriso matou-me.

To be continued...

O caso da gata desaparecida

Ontem vi a tipa preta, a dona da gata bílis, a correr pelo passeio. Vi-a de dentro da bomba, mas tenho a certeza que era ela. Reconheci-a pelo boné e pela altura (a tipa é mesmo alta).Não pude sair atrás dela, o Tó Jó tinha ido não sei aonde e eu estava sozinho na bomba. Foi chato. Seria muito importante para mim falar com ela. Queria acalmá-la, dizer-lhe que não havia novidades da gata. Queria também dizer-lhe para não desesperar, pois estava a planear uma busca exaustiva com o meu primo Filipe. O meu primo Filipe é um tipo perito em descobrir coisas. Também é melhor do que no que diz respeito ao conserto de coisas avariadas ou estragadas. Mas, voltando à história: Era possível que ela estivesse a fugir do gajo do Opel Kadett. Teria tido finalmente coragem para se livrar daquele atrasado mental? Porra, porque é que eu não saí atrás dela? Não, mas e se ele estivesse furioso, uns metros mais atrás, preparado para a espancar? Se assim fosse, havia uma forte probabilidade de eu também ser apanhado e espancado pelo tipo. E, de qualquer das maneiras era impossível abandonar a bomba. De madrugada, no quarto olhei para a folha onde tinha apontado o número da preta (sinto-me um pouco incómodo a chamá-la de preta, mas, na realidade não sei o seu nome). Peguei no telemóvel e marquei o número. Nesse momento, antes de carregar no sinalzinho verde, a minha mãe puxou o autoclismo, merda, tinha acabado de destruir o meu plano. Na verdade, talvez fosse mesmo estúpido, uma asneira terrível telefonar-lhe a dizer que não tinha encontrado a bílis. Antes de desligar a luz fiquei ainda alguns minutos a pensar nela. Aquela mulher intrigava-me. Tinha de arranjar coragem para lhe telefonar.

I love Portugal

Hoje assisti, provavelmente, a umas das cenas mais hilariantes da minha vida. No autocarro vinha um tipa magricelas com dois filhos. Um dos putos começa a bater em qualquer coisa, a improvisar uma espécie de batucada infantil desastrosa. É normal, tudo tem o seu tempo. A criança ainda não tem idade para perceber que a melhor coisa que se pode fazer dentro de um bus é observar e ouvir as conversas dos tipos que estão à nossa volta. Um gajo que estava na última fila começa a mandar vir com o puto. Não percebi se o gajo era doido ou estava só a dar tanga. A verdade é que, se quis divertir a plateia teve, em definitivo, bastante sucesso. Falo por mim, naturalmente. A mãe não achou piada nenhuma: “O menino está a fazer algum mal? Até parece que está a faltar ao respeito ao senhor.”Entretanto já metade do autocarro tinha os olhos postos nesta cena. E claro, há sempre bitaites que se mandam: “Ó deixe tar o menino.” “O menino está tão sossegadinho. Deus me livre.” O menino e o irmão riam, parece que tinham entrado numa espécie de cumplicidade proibida com o gajo. O ponto alto estava para vir. O tipo, de lá de trás, sai-se com esta: “A samba já chegou ao Brasil?” (observação relevante: eles eram mulatos) A mãe aí fica furiosa: “Ele é português, nasceu ali no hospital... é português nascido em Portugal.” E repetiu esta frase mais de quatro vezes: “Ele é português. Eu sou portuguesa. Ele é português. Eu sou portuguesa. Ele é português. Eu sou portuguesa.”E o tipo: “Eu também sou português e bom cidadão, quer que lhe prove?” Uma senhora que estava ao lado do tipo não se conteve: “O senhor, se fosse bom cidadão português não dizia isso a uma criança. A criança não está a fazer mal nenhum. Um bom cidadão português não diz isso a uma criança.” A mãe estava doida: “Ele tem esta cor, mas é português, está bem?” Uma senhora mortinha por intervir: “Ó, e quem tem a cor?” E outra: “O que interessa é o que está cá dentro.” Brilhante! Metade do autocarro em simultâneo: “Pois, claro.” A melhor intervenção veio logo a seguir, feita por uma tipa cheiinha, cabelo pintado de loiro e que trazia muitos sacos ao colo. Disse isto com um ar muito sério, o que à partida lhe conferia alguma credibilidade: “Portugal descobriu o Brasil, por isso somos todos irmãos.”Perante isto, calou-se toda a gente e eu achei melhor pegar num caneta e escrever na senha o que tinha acabado de ouvir.


Nota: Mais tarde, em casa, perdi algum tempo a pensar. Em que é que Ser um bom cidadão português tem de diferente em Ser um bom cidadão checo, por exemplo? Provavelmente a mulher ao dizer "O senhor se fosse um bom cidadão português.. " queria apenas ter dito "O senhor, se fosse um bom cidadão." Talvez na descrição de bom cidadão português esteja naturalmente implicita a ideia de alguém que é compreensível com as criancinhas, não sei.

Tenham medo, tenham muito medo

Estou assustado. Não, não é Paula. A ameaça vem do indivíduo do Opel Kadett. Em relação ao assunto Paula tive bastante tempo para reflectir (enquanto a minha mãe desabafava comigo num animador registo: “A menopausa e eu, parte 6”) e cheguei a uma conclusão – mencionarei o seu nome sempre que me apetecer e considere adequado. Sou um tipo corajoso, por opção. Agora, ponham os cintos e preparem-se para o terror. À noite, na bomba, a clientela é esquisa, por vezes, chega mesmo a ser medonha. Estou habituado, não tenho medo. A minha avó obriga-me a andar com uma medalha religiosa protectora. Não sou católico, ando com aquilo no porta-moedas, mas às tantas é essa merda que me salva o coiro, não sei. Tenho uma teoria fundamentada acerca da religião, um dia conto-vos. Como estava a dizer, na bomba estou muito tempo em silêncio e acho que é por isso que sou um gajo que penso muito. Estar calado, às vezes é chato porque, como já disse, faz-me pensar de forma intensiva, o que normalmente não é muito agradável. Mas isto tudo para chegar ao gajo do Kadett. Tem parado na bomba por volta das três da manhã. Põe cinco euros de gasolina e quase sempre compra um maço de SG Ventil. No carro está uma mulher preta (não sou racista, digo isto porque a cor dela interessa para a história). Traz um boné e um casado apertado até cima. Consigo ver mal a sua cara, ainda por cima como é preta e, com os reflexos do vidro, é mesmo difícil. Várias vezes me pareceu que a mulher me fazia sinais com os olhos, mas como já disse, não consigo vê-la em condições. Houve uma vez que me pareceu ler nos seus lábios “Ajuda-me, ajuda-me”. Mas não devia ser nada, porque depois quando olhei ela estava a pintar os lábios e a cabeça dela parecia abanar como que ao som da música. Ontem, a mulher saiu do carro. Finalmente. Era alta, a gaja. Abre a porta e antes de pôr o pé de fora (trazia umas botas feias de verniz preto) um gato branco (a cor dele não interessa para a história) escapa do carro. Ela sai com pressa, mas o gato já tinha desaparecido. Ela põe as mãos na cabeça e tira o boné. A tipa era careca. O gajo aproxima-se dela, (ainda não tinha pago) aquele vidro não me deixa ouvir muito bem, mas o gajo fala alto: “Qué que foi caralho?”. Ela desata a chorar. Fiquei indeciso entre ficar quieto, lembrá-lo que ainda não tinha pago ou ir lá fora ter com eles. “Qué que foi caralho?” “Fala preta”. O gajo era mesmo bruto. Optei pela terceira opção, armado em matcho man. “A bílis fugiu. Foda-se.” Fiz um esforço para não me rir. A bílis? Havia em Portugal uma gata chamada bílis? “Precisam de ajuda?” Em alturas delicadas, (ou inesperadas) fico com a voz menos credível do mundo, não percebo, pareço um puto na puberdade. “Sai daqui murcão.” O gajo espeta-me os cincos euros (nesse dia só tinha posto gasolina). Pega nela pelo braço: “Espera, vamos procurá-lo.” “Ó, deixa o bicho ir à sua vida, que ele também é gente.” Ela corre atrás de mim que estou mesmo quase a entrar pela porta automática: “Por favor”. Ela olha para a lapela onde tenho escrito o meu nome. “António, por favor. Se vires a gata.” Está atrapalhada, tira uma caneta da carteira e escreve-me na palma da mão um número (suponho que do seu telemóvel). O tipo está furioso: “Àndar mulher.” Ela tem um cheiro estranho, que parece uma mistura de incenso e mijo de gato. “Obrigado.” Eu não disse nada, para ser sincero, as minhas mãos tremiam e não estava em condições para dizer o que quer que fosse. Se calhar, já tinha falado demais. Uma hora depois, o Pereira e o Antunes, (não é da minha família) agentes da PSP, pararam para tomar um café e comer um panike misto. Pensei em contar-lhes o que tinha acontecido, talvez aquela mulher corresse algum risco. Pensei na hipótese do gajo voltar no dia a seguir à bomba, sem ela, ameaçar-me. Eu não tinha feito nada, mas o gajo parecia-me vagamente doente e desequilibrado. O Pereira tinha sabido ao jantar que ia ser avô, o ambiente estava tão divertido que achei melhor estar calado.

O metaleiro e o futuro do blog

A Paula ontem veio a minha casa. Eu estava no banho. Ao Domingo curto tomar banho de imersão com espuma. Deixo a correr um fio de água muito quente (é detestável quando a água arrefece) e não dispenso de um ou dois patinhas. Sou viciado. Podem falar-me noutros clássicos da BD, está bem, o Calvin até me faz rir, mas porra, patinhas é patinhas! Acho que é um bocado como tentar explicar aos putos de hoje o que era o “Mofli, o último Koala”. Eles começam a falar de canais de televisão com desenhos animados e, num instante, já estamos a falar línguas diferentes. Não dá. Mas adiante, que já estou a divagar. Quando a campainha tocou pensei que era a Adelina com mais uma das suas intrigantes crises de hemorróidas, mas a minha mãe berra (odeio quando me fazem de surdo). “A Paula está aqui.” Oh! Diabo. “Ainda estás no banho, filho? Sai da banheira. Está aqui a Paula” Sai da banheira? Que lata! Depois da agressão verbal a que fui submetido e que contei no post anterior (ver post: Pizza Havaiana) ver a Paula seria o mesmo que olhar para qualquer coisa estragada, talvez o mesmo que abrir um frasco de geleia com bolor (adoro geleia). De qualquer das maneiras, os Domingos são sempre deprimentes, com ou sem Paula, com ou sem natais dos hospitais. Eu e a Paula namorámos três anos. Ela chamava sogrinha à minha mãe. Podem ver o grau de intimidade em que esta brincadeira já ia. Talvez por isso ela esperava-me no quarto. Eu chego de tolha à cinta (não sou um tipo musculado, mas gosto do meu peito). O normal seria o meu pai oferecer-lhe amendoins, ela sentava-se no sofá a acariciar o Jeco (o nosso rafeiro) enquanto a minha mãe lhe fazia perguntas sobre o estado geral da sua família. Mas não. Que abuso, no meu quarto! Nós já não namoramos. Será que ela esteve a mexer nas minhas gavetas? Eu escondo coisas nas minhas gavetas!! “Preciso da tua ajuda.” Ela estava com um ar assustado. Fiquei calado. O que é que ela tinha no cabelo? Duas borboletas? Meu Deus. “O que é que foi?” “O Artur está internado.” “O metaleiro?” “António, por favor.” Para dizer a verdade dava-me um certo prazer saber que o idiota estava a sofrer de qualquer maneira. “Aleijou-se o teu amiguinho?” O que ela me contou a seguir estava muito perto da comédia, para não dizer que se inscrevia mesmo dentro da própria palavra. O metaleiro tinha sido violentado por um colega durante um campeonato de dardos. Estava no hospital, a soro. O tipo tinha perdido muito sangue e pelos vistos a sua saúde era uma desgraça (tal como ele). Ela disse também que o dardo com que o metaleiro foi atingido era um dardo especial, daqueles que só os profissionais sabem usar e que, se fosse com dardo normal, era impossível causar-lhe tais ferimentos. Ela queria que eu pedisse à minha tia Céu, que é enfermeira no hospital, que arranjasse uma maneira de ela poder ficar a zelar pelo metaleiro. O que ela não sabia era o quanto a minha Tia Céu a detestava. Uma vez no Pingo Doce, a minha Tia tropeçou (acho que era um pacote de arroz) e ela começou a rir, teve mesmo um ataque de riso ali no corredor das bolachas (se calhar era um pacote de bolachas e não de arroz porque lembro-me que atrás dela estavam uns filipinos que eu acabei por comprar) ria tanto que até a mim me irritou. É normal que a minha Tia tivesse a partir daí desenvolvido um pequeno ódio pela Paula. Mas eu lá liguei à minha Tia e a minha Tia, apesar de tudo, é uma tipa porreira e disse que a ajudava. A Paula ficou toda contente, histérica, ao saltos, até lhe caiu uma borboleta do cabelo. Aquilo era um gancho. Antes de se ir embora perguntou-me se eu tencionava continuar a escrever sobre ela (e sobre nós) no blog. “Quem lê aquilo?” "Sei lá.” Ela: “Não achas estranho estares a contar coisas sobre nós?” Eu: “Não.” Ela: “Está bem.” E foi se embora. Acho que foi por eu lhe ter feito um favor. Não se ia por ali a mandar vir. Aliás o metaleiro estava à espera. Fiquei a pensar sobre este blog. Começo a acreditar que isto está a funcionar como o diário que nunca tive. Quando era pequeno lembro-me que a minha irmã tinha um diário que se chamava “A minha agenda”. Eu tinha muita inveja porque, como era rapaz, não tinha direito a diário. Não tinha nexo, como também não tinha nexo muitas coisas que os meus pais davam à minhã irmã e a mim não. Se calhar, se tivesse nascido rapariga, as coisas tivessem sido diferentes. De qualquer das maneiras, tenho de pensar seriamente sobre o rumo que irei dar a este espaço. Estou numa espécie de crise existencial do primeiro mês de bloguista. Nunca pensei muito sobre que tipo de blog seria o meu blog e talvez tenha cometido um erro, não sei. Preciso de sugestões:


a. Mando o blog às urtigas.
b. Faço disto um local de culto onde se contam anedotas e receitas de ovos
c. Deixo estar como está e arrisco a minha vida sempre que falo de pessoas que podem vir a ler. (ex: Paula)
d. Peço ao Zé para continuar com isto.

Pensem à vontade. Mas falem.

Pizza Havaiana

“Tu és um cobarde.” Estas foram as cruéis palavras da Paula, ontem, minutos antes de fechar furiosa a porta do meu nissan micra. “Não percebo como fui capaz de ter andado contigo três anos nesta fantochada.” Disse ela depois de abrir e voltar a fechar a porta do meu nissan micra. Ora bem, quando acabámos (há três meses atrás) estávamos na Pizza Hut. A Paula tinha um bocado de azeitona presa entre os dentes. Lembro-me bem disso, porque é uma coisa que me horripila – coisas verdes presas nos dentes das pessoas. Neste caso, era uma azeitona preta. Ela vira-se para mim: António, tenho de ser sincera contigo, ando metida com o Artur. Estava a comer uma pizza havaiana, curto o ananás, a cena exótica e tal. Normalmente lido mal com pessoas que tentam minar a minha disposição em momentos de prazer, por isso, encarei aquilo um bocado na desportiva. Eu: Artur? Ela: Não te lembras? Aquele amigo do meu irmão que é pró a jogar setas? Naquele dia lá em casa deu-te um cossório, não te lembras? Alto, agora já me estás a ofender, ó espertinha. Lembrei-me do tipo. Tinha uma t-shirt com uma caveira e trazia uma luvas cortadas nas pontas. Era um tipo mesmo pré-histórico que dava gargalhadas medonhas e de vez em quando dizia: O metal é outra cena, men. O metal é outra cena. Doente. Ela limpa a boca ao guardanapo e a mim apetece-me mesmo humilhá-la: Tens um bocado de azeitona nos dentes. Ela: Azeitona? Eu nem sequer tinha azeitonas na minha pizza! É agora, estás feita: Dentinho podre, poderá ser? Levanta-se e os brincos dela tilitam como o chocalho de uma ovelha: Estás a gozar? Eu, ao estilo de professor de primária: Tens lavado os dentes, menina feia? Ela começa a ficar muito vermelha, a cara a tremer, porque, meus amigos, eu estou a dizer com a maior calma do mundo entre pedaços de atum e ananás em massa alta (regra geral prefiro massa fina, mas na Pizza Hut não). Ela está quase a chorar, prepara-se para dizer qualquer coisa. Eu antecipo-me: Podes ir indo, ainda estou a acabar a minha pizza havaiana. Eu nem sequer estava alcoolizado. Não percebo. Nunca fui tão severo com alguém. De manhã telefonei-lhe e acabámos formalmente a nossa relação. Ela sentiu-se culpada, era a primeira vez que traía alguém. Consigo compreender isso, apesar de normalmente ser um tipo pouco compreensível. Concordámos em ficar amigos. Primeiro, porque sempre nos demos bem e, em último caso, porque aos domingos costumamos ir jogar mini-golf e formamos um par imbatível. Bem, já não tenho tempo para vos contar o porquê da discussão de ontem. Lembrem-me disso amanhã.

Quero ter um blog credivel

Estou com problemas intestinais e por isso faltei ao trabalho. Nunca tinha faltado ao trabalho. Estou na bomba há três anos e nunca faltei, a sério. Atribuo as culpas aos bolinhos de bacalhau que a minha mãe fez para o jantar e, talvez, ao excesso de vinho que ingeri. Gosto muito de vinho, mas ontem excedi-me e hoje acordei com os dentes arroxeados. Veio cá jantar o Jonas, amigo do meu pai que é bêbado, rico e um tipo insuportável de arrogante. Eu tenho de ser simpático com ele porque é ele que oferece o álcool. Detesto ser cínico, tenho a certeza que sou sempre desmascarado. É por isso que invejo um bocado aqueles tipos que conseguem sorrir e dizer coisas acertadas quando, por exemplo, estão a ser despedidos do trabalho. Talvez o que eu tenha mesmo seja mais uma grande ressaca do que problemas intestinais, mas não gosto de pôr as coisas nesses termos. De qualquer das maneiras, a experiência de ficar sozinho em casa com o José Figueiras está a ser aterrorizante. Ao bocado, para minimizar o tédio, fui fazer a barba (ando seriamente a pensar deixar crescer o bigode, mas ainda não o fiz acho que, em parte, por causa do António Sala) e, depois, experimentei fazer uma receita de ovos mexidos com bacon. Na foto os ovos tinham um aspecto suculento. Segui religiosamente a receita e, no fim, o meu banquete assemelhava-se a pasta de papel amarela, porquê? Não sei, mas preferi não aprofundar a questão. Pensei, então, que podia vir aqui para o blog dizer coisas inteligentes, mas tenho alguma dificuldade em escolher temas. Não gosto de política, não discuto futebol e, para dizer a verdade, não sei bem o que é que me interessa falar aqui. Porra! Eu quero ter um blog credível, eu quero ter um blog credível, repito, foi para isso que fiz este blog! Estou um pouco descrente, confesso. O post anterior talvez seja um pouco íntimo demais, já pensei em eliminá-lo. No fundo, foi uma carta sentida e profundamente sincera para a minha querida Tia Georgina. Depois de ler aquilo outra vez fiquei a pensar que se calhar ela não era assim tão fixe, nós é que éramos uns miseráveis terríveis. Em casa dela (nós costumávamos ir lá no Verão) havia sempre chocolates de marca e salmão fumado. Com a Tia Georgina aprendi a comer à mesa e foi com o Tio Adélio que fumei o meu primeiro charuto. Fui sem dúvida um tipo educado para reinar. Na realidade acho que só não tenho um futuro brilhante porque não quero. Riam-se. Eu tirei o curso de gestão! Porque é que estou a trabalhar na bomba? Não sei. Mas não me importo. Acho que tirei o curso para fazer o favor à minha família, em especial à minha avó Zira, que sempre achou que ia ver o neto vestido a rigor, com cartola e diploma, a fazer um discurso magnífico perante uma gigantesca plateia que sabe aplaudir muito bem as pessoas. Para além do mais, eu nunca usei traje, nem fui um verdadeiro académico. Andava-me a arrastar por lá, isso sim. A maior parte das vezes nem ia às aulas. Preferia ir jogar bilhar e beber cervejas, mas nunca me senti diferente dos outros por isso. Depois meteu-se aquela coisa do desemprego. A pressão. Pá, havia um lugar na bomba e eu fui. Ainda por cima aquilo é perto do aeroporto, eu sempre curti ver aviões. Se sonho em vir a ser um empresário de sucesso? Claro que sim. Mas agora estou mais preocupado com outras coisas. Acho que estou a tornar-me um tipo solitário demais. (Paula não estou chateado contigo, quando é que tomamos um café? Tenho saudades nos nossos piqueniques no parque da cidade.)