Natal

1º Episódio

O meu Natal foi trágico. Passo a explicar, por partes. Em primeiro lugar, é no Natal que encontro o meu Tio Zeferino e, em segundo lugar, é no Natal que tomo consciência da família disfuncional à qual pertenço. Há outros factores, menos relevantes, que também ajudam a um desespero psicológico latente: ter de fechar o Jeco na dispensa (a minha avó é alérgica ao pêlo do cão) e ser obrigado a fritar as rabanadas (acho que tem a ver com a minha sensibilidade para a cozinha). O meu Tio Zeferino (nós tratamo-lo por Fino) é daqueles gajos que tem sempre um sorriso pregado na boca. Quando era mais novo perguntei-me muitas vezes se o tipo era só estupidamente alegre ou antes, o gajo mais cínico do mundo. É impossível continuares a rir quando alguém te diz “Ó Fino, vai mas é dar banho ao cão.” Ou quando, por exemplo, descobres que há três anos que a tua cunhada te oferece lenços de assoar no Natal. Isto é verídico. O gajo não ri alto. Uma gargalhada, para ele, é esticar mais a boca, ficam-se a ver mais os dentes de trás e pronto, é esta a gargalhada dele. Que patético. É profundamente angustiante ver um tipo que não faz barulho a rir. Fiquei a detestá-lo mais um bocadinho neste Natal. Explico. Decidi telefonar à tipa preta (a partir de agora chamá-la-ei pelo seu nome diminutivo, Tina) a desejar bom natal. Estava na casa de banho, convencido que seria o único sítio onde poderia ter alguma privacidade para efectuar o chamada, pois, pois. Ela não sabia quem eu era e eu identifiquei-me como o António da bomba. Acho que quando ela percebeu quem eu era, ficou um bocado desiludida porque disse um ahh meio distante. Agora era tarde para abandonar o barco. Portanto, desejei-lhe bom Natal e menti-lhe dizendo que já tinha iniciado as buscas para a encontrar a gata, mas que neste momento as investigações estavam suspensas por causa do Natal. Ela disse-me que já tinha um animal de estimação novo, um cágado, e que até estava a fazer um esforço para esquecer a bílis. Aquela mulher tinha, de certa maneira, algum sentido de humor. Eu fiz uma deixa que parecia adequar-se à situação, tipo: “Ano novo, vida nova” e ri-me, feito atrasado mental. Ela deve ter achado piada porque também se riu, ou então gozava-me, não sei. Devo dizer que, para fazer este telefonema, tive de beber um gin tónico e depois um copo de vinho do porto (o gin era foleiro). Só desta forma, tive ainda lata para lhe perguntar o que é que ela ia fazer no ano novo. Ela disse-me que não sabia. Eu disse-lhe que também não. Depois ela disse-me que se chamava Tina e, depois de várias tentativas, acertei no seu nome verdadeiro, Márcia. O diminutivo Tina surgiu depois de ela ter dito a um amigo “Está calor”. Pelos vistos, o tipo respondeu-lhe :“Ó Márcia, tu atina”. E, a partir daí, ficou Tina. Ela não gosta de Márcia, por isso, até foi bom. Quando desligo o telefone, tenho o meu Tio Fino à porta da casa de banho. Com o sorriso parvo. Ele diz: “Está sossegado que eu não digo à tua mãe. Quem é ela?” Continua com o sorriso e eu acho que lhe vou espetar um testo: “Ela quem?” “Ó, ó, ela quem? Eu ouvi tudo, pá” Meus Deus, será que não és capaz de parar de rir por um segundo? “Tio deixe lá isso. “Ai Tina, Tina.” Nessa altura apaguei a luz da casa de banho e quando me afastei, disse baixinho: “Ó Tio vá fazer cocó, está bem?” Ele segurou-me na manga da camisola, mostrou-me os seus dentes de trás e o seu sorriso matou-me.

To be continued...

9 comentários:

SePo disse...

1 sorriso vale mais que mil palavras! é verdade, imagina que ele decidia fazer 1 discurso de mil palavras? vê as coisas pelo lado positivo, pelo menos não é desdentado, isso é que era 1 sorriso mau.
mas quem é que se lembra de fazer comentários no fígado sobre 1 gajo que fez comentários aqui? lol

SePo disse...

p.s. eu só venho aqui comentar a ver se pões o link ao meu blog aqui.

p.s.d. estou a gozar é claro.

c.d.u. ou p.c.p?

p.p. partido dos paneleiros

pencapchew disse...

Um tio proveniente da Familia Addams.

Freddy disse...

Q bazar da Pérsia, jasus!!!

Abraço da Zona Franca

Ipslon disse...

"ri-me, feito atrasado mental" - isto sao os efeitos do gin!

e eu n disse que a tina aind ia dar que falar! "eu disse, mas ninguem me ouve" (esta e das frases feitas da minha familia)

Sara disse...

e eu aqui à espera do resto do Natal e da bílis...

Anónimo disse...

Ah! Oferecias língua da sogra? Pá, tu estás maluco!

fernanda f disse...

Eu se fosse a ti cosia a bocarra do tio Fino com fio dental.

Mónica disse...

se não te calas conto-te o meu natal, eramos tantos que nem havia cadeiras pra todos e tivemos que ir ao lidl comprar uma cadeiritas e já agora guardanapos que também não havia, havia de os ver a comer que nem um brutos e as dentaduras mergulhadas nos copos, falamos de blogs, todos temos, não vale repetir os templates... epá assim já não te conto nada