Tenham medo, tenham muito medo

Estou assustado. Não, não é Paula. A ameaça vem do indivíduo do Opel Kadett. Em relação ao assunto Paula tive bastante tempo para reflectir (enquanto a minha mãe desabafava comigo num animador registo: “A menopausa e eu, parte 6”) e cheguei a uma conclusão – mencionarei o seu nome sempre que me apetecer e considere adequado. Sou um tipo corajoso, por opção. Agora, ponham os cintos e preparem-se para o terror. À noite, na bomba, a clientela é esquisa, por vezes, chega mesmo a ser medonha. Estou habituado, não tenho medo. A minha avó obriga-me a andar com uma medalha religiosa protectora. Não sou católico, ando com aquilo no porta-moedas, mas às tantas é essa merda que me salva o coiro, não sei. Tenho uma teoria fundamentada acerca da religião, um dia conto-vos. Como estava a dizer, na bomba estou muito tempo em silêncio e acho que é por isso que sou um gajo que penso muito. Estar calado, às vezes é chato porque, como já disse, faz-me pensar de forma intensiva, o que normalmente não é muito agradável. Mas isto tudo para chegar ao gajo do Kadett. Tem parado na bomba por volta das três da manhã. Põe cinco euros de gasolina e quase sempre compra um maço de SG Ventil. No carro está uma mulher preta (não sou racista, digo isto porque a cor dela interessa para a história). Traz um boné e um casado apertado até cima. Consigo ver mal a sua cara, ainda por cima como é preta e, com os reflexos do vidro, é mesmo difícil. Várias vezes me pareceu que a mulher me fazia sinais com os olhos, mas como já disse, não consigo vê-la em condições. Houve uma vez que me pareceu ler nos seus lábios “Ajuda-me, ajuda-me”. Mas não devia ser nada, porque depois quando olhei ela estava a pintar os lábios e a cabeça dela parecia abanar como que ao som da música. Ontem, a mulher saiu do carro. Finalmente. Era alta, a gaja. Abre a porta e antes de pôr o pé de fora (trazia umas botas feias de verniz preto) um gato branco (a cor dele não interessa para a história) escapa do carro. Ela sai com pressa, mas o gato já tinha desaparecido. Ela põe as mãos na cabeça e tira o boné. A tipa era careca. O gajo aproxima-se dela, (ainda não tinha pago) aquele vidro não me deixa ouvir muito bem, mas o gajo fala alto: “Qué que foi caralho?”. Ela desata a chorar. Fiquei indeciso entre ficar quieto, lembrá-lo que ainda não tinha pago ou ir lá fora ter com eles. “Qué que foi caralho?” “Fala preta”. O gajo era mesmo bruto. Optei pela terceira opção, armado em matcho man. “A bílis fugiu. Foda-se.” Fiz um esforço para não me rir. A bílis? Havia em Portugal uma gata chamada bílis? “Precisam de ajuda?” Em alturas delicadas, (ou inesperadas) fico com a voz menos credível do mundo, não percebo, pareço um puto na puberdade. “Sai daqui murcão.” O gajo espeta-me os cincos euros (nesse dia só tinha posto gasolina). Pega nela pelo braço: “Espera, vamos procurá-lo.” “Ó, deixa o bicho ir à sua vida, que ele também é gente.” Ela corre atrás de mim que estou mesmo quase a entrar pela porta automática: “Por favor”. Ela olha para a lapela onde tenho escrito o meu nome. “António, por favor. Se vires a gata.” Está atrapalhada, tira uma caneta da carteira e escreve-me na palma da mão um número (suponho que do seu telemóvel). O tipo está furioso: “Àndar mulher.” Ela tem um cheiro estranho, que parece uma mistura de incenso e mijo de gato. “Obrigado.” Eu não disse nada, para ser sincero, as minhas mãos tremiam e não estava em condições para dizer o que quer que fosse. Se calhar, já tinha falado demais. Uma hora depois, o Pereira e o Antunes, (não é da minha família) agentes da PSP, pararam para tomar um café e comer um panike misto. Pensei em contar-lhes o que tinha acontecido, talvez aquela mulher corresse algum risco. Pensei na hipótese do gajo voltar no dia a seguir à bomba, sem ela, ameaçar-me. Eu não tinha feito nada, mas o gajo parecia-me vagamente doente e desequilibrado. O Pereira tinha sabido ao jantar que ia ser avô, o ambiente estava tão divertido que achei melhor estar calado.

6 comentários:

Ipslon disse...

Caladinho e rabinho entre as pernas... Pode ser so um machao n agressivo, mas po caso de n ser e melhor tares calado.
a menos que para compensar da paula ainda venhas a kerer alguma coisa com a careca... vai-se la saber:P

Anónimo disse...

entretanto, o gato apareceu?

António A. Antunes disse...

infelizmente, pollienjean, não há notícias da bílis.

António A. Antunes disse...

polliejean, desculpa estava um "n" a mais no comentário anterior. este teu nome é um pouco complicado!

Anónimo disse...

"pollie" para os amigos ;)

Anónimo disse...

parece que és estupido!