A explicação

Tudo começou num dia de sol. Estou a brincar. A culpa foi, em parte, da minha professora de primária, a professora Ana Teresa. Uma vez, dei um erro terrível numa composição. Lembro-me bem, era um texto sobre o Outono e eu impliquei com a palavra. Escrevi “Outobro” e a Ana Teresa, que era uma tipa implacável e feroz, mandou-me, de castigo, escrever Outubro cem vezes. Podem imaginar o que é escrever cem vezes a palavra Outubro. Foi especialmente traumático, porque às tardes, costumava ir brincar com o Pipas. O Pipas era um amigo meu bastante rico. Na casa dele havia bichos embalsamados nas paredes e, num canto priviligiado do escritório, uma máquina fotocopiadora! Uma máquina fotocopiadora! Naquela altura, ter uma máquina fotocopiadora em casa era muito provavelmente o mesmo que termos, actualmente, uma central nuclear dentro da nossa casa de banho. Impressionante. Ainda hoje, uma simples resma de papel de máquina faz-me lembrar o Pipas. Grande Pipas, que andará ele a fazer? Coitado, o tipo tinha problemas com ácaros e desconfiava-se que também era alérgico ao leite. Ao lanche, a empregada ia-nos comprar bolicaos à mercearia da esquina e era mesmo porreiro porque a mãe do Pipas deixava-nos levar copos de vidro com tang de ananás (cor de chichi) lá para fora. No jardim (com piscina em forma de héxagono, ridículo) entretínhamo-nos a fuzilar minhocas e espremer formigas. Depois fazíamos as respectivas celebrações fúnebres e eu, quase sempre, voltava para casa com uma náusea terrível e alguns problemas morais. Consciência ética bastante desenvolvida para a idade? Talvez. Dizem que em miúdo era um tipo estranho, o que não me admira. Mas como estava a dizer, nesse dia tive de ficar em casa a escrever a palavra Outubro. E dei por mim a pensar que talvez fosse boa ideia ser bom naquilo, no português. Não dar erros. Lembro-me da borracha que tinha à minha frente quando tive este pensamento, era uma pelikan das verdes, que saudades... as velhas pelikans verdes. Melhor que não dar erros, só mesmo ser poeta. É claro que na altura, não pensava concretamente nestes termos, mas mais tarde, talvez muito por influência de um professor que tive no secundário, o professor António Velhote, imaginei-me várias vezes como o verdadeiro poeta marginal. Esse tipo (o professor António Velhote) era absolutamente doido, uma vez a meio de uma aula, saca de uma maçã (tipo golden) e põe-na em cima da mesa. Depois diz: “Vão olhar para esta maçã durante o tempo que eu disser e depois quero que façam um poema.” Achei o desafio maravilhoso e lembro-me que escrevi qualquer coisa relacionada com o deserto e formigas. Era uma coisa absurda por completo, mas o professor deve ter gostado, aliás chegou mesmo a oferecer-me um livro com poemas de Antero, que li numa noite de S. João deprimente passada em casa dos meus avós. Isto tudo para explicar a minha relação com a língua portuguesa e aproveitar para agradecer os comentários favoráveis à minha escrita. Professora Ana Teresa, Professor António Velhote, um muito, muito, obrigado.


Rodapé: Como fui tirar um curso de gestão? Porque trabalho numa bomba de gasolina? Podia divagar sobre isso num próximo post, mas acho que a resposta não estende muito para além do simples facto de eu ser um tipo miserável. E há outra coisa que é, este blog, não ser, de todo, um diário. Por isso, essas explicações talvez não sejam, de facto, pertinentes.

18 comentários:

Anónimo disse...

Tropecei nisto, não me magoei e até gostei.
Vou voltar.
Podes crer.

rititas disse...

eu sei que isto não um diário (porque o disseste) mas gostava de ouvir o resto das histórias.. um dia quem sabe?

Anónimo disse...

Fui rever como aqui tropecei. Pedias ajuda noutro Blog, em meados de Novembro. Do que é que precisavas concretamente. Fui rever a data e fazer um paralelo com a data neste teu Blog e não compreendi.

Anónimo disse...

hum... então para onde foi correcção ortográfica no teu "previligiado" e "héxagno"???

fora esta contradição... nada a reclamar!!! lololol

Anónimo disse...

Pois, ou muito me engano ou as explicações iam estragar tudo.

Anónimo disse...

Ética? Qual ética qual carapuça! Isto é deplorável, completamente imbecil!

Flávio disse...

lol Até a tua professora Ana Teresa parece uma fada boa quando comparada com a minha. A senhora tinha o hábito de levar os alunos inadimplentes até ao pátio e aí mimoseava-os com umas valentes reguadas, para que toda a escola ouvisse os berros de dor.

Um abraço!

Flávio

Flávio disse...

Nós também agradecemos aos Professores António Velhote e Ana Teresa, sem os quais este excelente blogue talvez não tivesse sido possível.

Anónimo disse...

Boa tarde! Aqui estou eu, a outra personagem (já são tantas que me atribuem, que já tenho dificuldade em fazer a distinção...), a 'Marlene'. Digo isto com grande tristeza, pois nunca imaginei que tais dissabores e tal'peixeirada' me 'batessem à porta'. De facto sou uma pessoa normal e, por isso, não tenho atributos de 'santa' e tenho os meus defeitos, mas daí a ser a vil, a não sei quê...etc, etc, da net,é a completa difamação. Também por aqui o saco está cheio. Com tais inverdades, maledicências e atendendo à multiplicação de blogs criados para ofenderem o meu nome e a minha honra sinto-me impossibilitada de usar a mesma 'arma'na minha defesa!(Até neste aspecto as 'armas' são desiguais, porém, os leitores poderão apreciar a qualidade do 'tom' usado por uma e pela outra parte na discórdia...) Assim, apenas me atrevo a dizer, de forma humilde e serena: que se magoei ou ofendi alguém, não era minha intenção e publicamente peço desculpas às pessoas que se sintam visadas; e que eu, unicamente eu, respondo pelos meus actos. Quanto à devassidão usada da minha vida privada, designadamente, filmagens às escondidas e outros, não é este o sítio certo para a pôr em causa - as fotocópias existem, os documentos estão gravados. Estando a minha consciencia tranquila no que toca a qualquer comportamento que possam eventualmente atribuir-me menos nobre, a partir de hoje, não estarei mais aqui para ouvir a conversa suja que há quase dois meses neste espaço circula.Se alguém tem alguma coisa a apontar-me estou à vossa disposição para falar pessoalmente. Muito obrigada.
'Marlene'

Inês Ramos disse...

Realmente escreves de forma muito interessante e divertida embora às vezes dês alguns erros
ortográficos... Mas, quem não dá? Curiosamente, já não és o primeiro tipo
formado em Gestão que devia ter ido para a minha àrea (Letras) que eu conheço...
Adoro ler as tuas aventuras e desventuras e a maneira como encaras o teu dia-a-dia.
Aparece no meu «blog» quando estiveres mais aborrecido. De certo que na Rambóia Jocosa terei um «post» para te fazer rir.

Gonçalo Taipa Teixeira disse...

A Cristiana esqueceu-se de põem-se, correctíssimos se o Antunes falasse de maçãs, mas não, fala de maçã. A uma maçã, põe-se na mesa.
Só para participar nesta conversa entretida. ;)

Gonçalo Taipa Teixeira disse...

Com tanta confusão entre singular e plural, acabei por usar o plural "correctíssimos", quando pretendia usar o singular. Aqui fica a correcção. ;)

Anónimo disse...

'SACO CHEIO NÃO DOBRA', belo título! Para quem não sabe chamo-me J. e sou o filho da 'vossa' (era o que faltava!) querida 'Marlene'. Ao ler (por sua sugestão)este post e outros ainda mais hilariantes que este desatei às gargalhadas. A sério, ri a bom rir...imaginei a figura de três ilustres palhaços, desprezíveis,a 'divertirem-se' com uma pessoa séria, que nunca viveu à custa de ninguém e que ainda por cima é minha Mãe. Então, podem elucidar-me qual dos senhores namorou, ou namora, ou casou ou foi/é amante da Srª 'Marlene'?! Pergunto porque vivo desde que nasci com a m/ Mãe e nunca vos conheci, nunca atendi ou lhe vi atender um único telefonema vosso, nunca entraram na nossa casa, nunca vi a Mãe a ficar fora de casa, situações estas que não parecem indiciar qualquer relação afectiva, a não ser que os vossos hábitos sejam também anormais, mas nunca me apercebi que a mãe 'Marlene' o fosse, pelo menos na relação que teve com o meu pai viviam na mesma casa e telefonavam-se todos os dias - é o que sucede comigo e com a minha namorada que vive a milhares de Kms de Lisboa. Ah,trata-se só de envio de emails carinhosos, amigos ou de 'namorados faz-de-contas' e de uma situação/brincadeira menos bonita de que a minha mãe me falou e que um de vocês - que ainda por cima é 'porco'- filmou e andou para aí a mostrá-la (que tristeza...até me sinto envergonhado de ser homem quando me lembro disto!Porco miserável, da campanha do Poeta). Pois bem, estou a ficar cansado de ver a minha Mãe a ser difamada e estou a ficar de saco cheio. É apenas isto que vos quero dizer, Srs de Portalegre, do Brazil e do Norte.

J. (trabalhador/estudante universitário).

Anónimo disse...

já agora: é "privilegiado" (é fácil: vem de privilégio). Já escrever 100 vezes. Ou levar 90 reguadas!...

Anónimo disse...

as coisas que aqui (na caixa de comentários) se descobrem...
que saudades das velhas borrachas Pelikan verdes.

Anónimo disse...

De facto, agradeces tu e agradecemos todos ao Prof. Velho!

António A. Antunes disse...

eh pá!tenho de ter mais cuidado com os erros. a todos, obrigado pela vossa atenção.

Eb1Eng.ºDuarte Pacheco disse...

De uma forma geral toda a gente se lembra dos professores "primários" e não só. Pelo bom e o mau.
Perguntem agora a um adolescente pelas recordações que tem dos seus ex professores... e a resposta será nula. Porque será? Já não haverá professores "marcantes?" :)