Cão

Não há dúvidas. A inércia é cúmplice da memória. Só isto pode explicar a quantidade de vezes que relembro a morte do meu cão, fez ontem dois anos e sete meses, numa operação aparentemente simples às duas vistas. Foi uma merda. Não gostei que o gajo tivesse ido desta para melhor. Ao mesmo tempo, trouxe-me alguma emoção. É. Se pensar bem, até foi fixe o meu cão ter batido as botas. Se não fosse pela chatice, comprava um cão em fase terminal só para poder voltar a sentir toda aquela adrenalina dos preparativos para o enterro, e isso. Foi um dia altamente. Enterrei o animal no quintal dos meus pais, debaixo do limoeiro. Podia ter optado por tê-lo simplesmente cremado ou algo assim, mas aproveitei para convidar o Daniel e o Furas para virem cá a casa e ajudarem-me com a abertura da cova. Abri umas cervejas e pus um chouriço a assar. Estava calor e a minha mãe tinha aproveitado para lavar os cortinados que estavam a secar ao fundo do quintal, numa espécie de estendal optimizado, que o meu pai montou ao longo de vários domingos e alguns feriados. Com o sol a bater de frente, não pude reparar como o raio dos cortinados eram feios, mas notei que o estendal parecia tombar para o lado direito. Depressa me concentrei na tarefa e comecei a cavar. O Daniel e o Furas são uns tipos que não se põem com merdas. Depois de abrir, metemos o bicho lá para dentro num instante. Quando tínhamos a terra toda posta por cima do cão, o Furas cuspiu para lá e disse: "Foi uma merda teres morrido. Mas caga nisso, cão". Depois continuamos nas minis e o Daniel começou a falar nas mamas da Sandra da papelaria.

2 comentários:

João disse...

Antunes! Você está a viver uma crise aguda de procrastinação! :)

Capuxa disse...

lol..
e é nas mamas da Sandra da Papelaria que termina um post tão digno! :)

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