Pinheirinho

A Belinha pousou os cotovelos na mesa e fez aquilo a que os mais sensatos chamam de sorriso amarelo. A culpa tinha sido dela. Imprudente Belinha, foi ela que contou à mãe. Era uma tarde de chuva e Belinha e sua mãe punham o bacalhau de molho. De entre outros assuntos, podiam ter falado, precisamente, sobre o facto dos dias chuvosos serem dias propícios para pôr o bacalhau de molho na marquise, menos luz, temperaturas mais baixas, menos risco de cheiros e água choca. Mas não. Belinha preferiu chamar o Zé.
O Zé consegue tocar com a língua na ponta do nariz.
Ai é?
A mãe de Belinha deitou a língua para fora. A língua da mãe da Belinha tinha pouca ou nenhuma elasticidade.
Eu não chego. Tu chegas?
Belinha deitou a língua para fora. A língua da Belinha tinha mais elasticidade do que a de sua mãe. Belinha não conseguia chegar com a língua à ponta do nariz por um ou dois milímetros.
Estás a ver? Quase que chego.
Depois de porem o bacalhau de molho, Belinha e sua mãe tentaram várias vezes, em frente ao espelho, chegarem com a língua à ponta do nariz. Não tiveram sucesso.
No dia em que o Zé foi lá jantar, a mãe de Belinha fez uma feijoada à brasileira e o pai dela cancelou o jogo de bilhar que tem às quintas para conhecer o namorado da filha. Quado bebiam café, isto aconteceu:
Zé, a Belinha diz que tu consegues chegar com a língua à ponta do nariz.
Apesar de daltónico em último grau, naquele momento, Zé soube que o vermelho predominava na sua cara, estendendo-se um pouco até ao pescoço. Sempre fora assim, corava até meio do pescoço. Vá-se lá saber.
O Zé deitou a língua para fora e fê-la chegar à ponta do nariz. Todos bateram palmas durante um tempo que Zé classificou como um longo período de tempo. Mas não foi tudo.
Mesmo a chegar a casa foi mandado parar pela polícia. Pinheirinho familiar e divertido vulgarmente pendurado no retrovisor que aromatiza o carro com cheiro a pinhal. Talvez este mentol, pinhas prensadas matem o bocadinho de uva que bebi ao jantar, pensou.
Bufa o balão, bufa Zé.
O senhor tem 0.5 gramas de álcool no sangue.
Tinha dito que o Zé era esperto, ele percebeu a grande estupidez que tinha feito, depressa disse,
Senhor guarda (ele tira os restos mortais do pinheiro da boca) é disto.
É disto?
Sim, isto tem álcool.
Você está a brincar comigo.
É disto senhor guarda. Eu não bebi nada.
Não bebe. Costuma comer pinheiros de papel.
Foi só hoje. Eu juro.

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