Chispalhada

Se tivesse dinheiro comprava um aparelho auditivo para a minha irmã. A minha irmã não é surda, mas para lá caminha. Para lá corre, melhor falando. O meu cunhado era um homem portador de uma audição razoável até meados do Inverno passado, altura quando começou, também ele, a sofrer do mesmo mal. Casaram-se há dois ou três anos, sob o olhar desconfiado de um padre caquéctico e uma plateia visivelmente impaciente. Passaram a noite de núpcias a escassos quilómetros de casa, simpática residencial central, propriedade da prima da madrinha do noivo e, no dia seguinte, banharam-se pateticamente numa cachoeira algures nos Açores. Horas antes, a minha irmã tinha sido mandada parar no aeroporto por carregar três latas de chispalhada no nécessaire. Quando a autoridade pergunta, Chispalhada? A minha irmã responde prontamente, Sim, chispalhada. Segundo o relato da minha irmã, a autoridade não gostou da sua resposta e continuou assim, Vai levar três latas de chispalhada para os Açores? Sim, vou levar três latas de chispalhada para os Açores, disse a minha irmã, A menos que o senhor me impeça. O telemóvel da autoridade tocou ao som do thriller de Michael Jackson, ele atendeu dizendo isto, Então Maria? Qual foi a desculpa? A Maria lá disse qualquer coisa e depois a autoridade falou, Eu logo vi, não o deixes sair que eu vou já para casa. Desligou e disse ao meu cunhado empenhando a lata de chispalhada como se tratasse de um troféu, Diga-me uma coisa, tem a certeza que quer levar isto consigo? O meu cunhado terá dito, Sim, essas latas de chispalhada são minhas, gosto muito de comer chispalhada senhor agente. A autoridade terá sorrido cinicamente e a minha irmã colocado novamente as três latas de chispalhada no nécessaire.
To be continued...

Sem comentários: